domingo, fevereiro 04, 2007

«Dia 11», por Nuno Brederode Santos no "Diário de Notícias" de hoje

Como todos nós, sou desafiado a dizer, no dia 11 de Fevereiro, se quero punir ou despenalizar o aborto que for realizado na convergência de determinadas condições: por vontade da mulher e realizado durante as primeiras dez semanas de gravidez, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado. Eu lá estarei, a dizer nas urnas que prefiro despenalizar. E sabendo que, se a maioria nelas expressa optar como eu, o Estado estará, se não juridicamente obrigado, pelo menos politicamente legitimado para, através da Assembleia da República, verter para lei essa vontade - revogando em conformidade o regime sancionatório hoje constante do artigo 140º do Código Penal e acrescentando tudo o que a explicite e complete (e que não está, nem podia estar, na pergunta que é sujeita a referendo). O aconselhamento prévio e a dilação para reflexão cabem aqui, naturalmente.

Do "sim" a 11 de Fevereiro depende a drástica redução (para não presumir a erradicação) de um flagelo social que é o libérrimo mercado do aborto clandestino. Mesmo que isto não altere as perspectivas da mulher rica que vai abortar a Londres ou da remediada que o faz em Badajoz, permitirá às mulheres pobres ou dependentes passar do aborto rudimentar, voluntarista e mecânico (feito pelos seus meios ou às mãos brutais, impreparadas e gananciosas de uma "parteira do diabo") à segurança e dignidade do acto médico.

Só o "sim" caminha no sentido da liberdade e responsabilidade da mulher que enfrenta a gravidez ou a maternidade indesejadas. Só ele avança na materialização do princípio constitucional da igualdade (artigo 13º). Ou, em versão para «yuppies», só ele nos repõe em sintonia com uma "média europeia".

Tem sido dito, até dos dois lados em confronto, que o que está em causa é um problema de consciência. Oxalá fosse, mas não é. A questão da interrupção voluntária da gravidez, hoje e em Portugal, é um problema com dimensão política, porque de saúde pública. E é um problema de pobreza, incultura, menorização preconceituosa da mulher e medo. Nada disto faz com que a mulher que não pode (ou responsavelmente não quer) ser mãe aceite o filho indesejado. Tudo isto apenas a empurra para o aborto clandestino. A consciência tem o seu espaço de respiração na liberdade e na responsabilidade. Se o "sim" ganhar, então, de facto, levar por diante uma gravidez indesejada ou aceitar, livre e responsavelmente, dar vida passará a ser um problema de consciência.

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