Universidade de Amesterdão
Estávamos em Novembro do ano passado, ainda sem data marcada para o referendo sobre o aborto, quando uma sondagem Marktest para o Diário de Notícias e TSF revela que 72,7% dos inquiridos, ou seja, três em cada quatro, diziam querer votar no referendo. Mais, a juntar à esmagadora maioria dos votantes, uma larga maioria de 61% assumia votar "sim". Mas estes números não são estranhos nem informativos. Recorde-se, não descurando diferenças metodológicas, a sondagem Expresso/Euroexpansão que o Expresso publica a 6 de Junho de 1998: "A esmagadora maioria dos portugueses (81%) tem a intenção de votar no referendo sobre a despenalização do aborto, dia 28 de Junho". De acordo com a sondagem, apenas 9% estavam indecisos e o "sim" ganharia por 25 pontos percentuais. Mas no referendo de 1998 votaram apenas 32% dos potenciais votantes, sendo que 51% votaram contra e 49% a favor.
Faltam 12 dias para o actual referendo. O "sim" ainda vence nas sondagens, mas o "não" ganha terreno à medida que a abstenção sobe, ameaçando repetir-se o quadro de 1998. Nem o calor de Junho, nem o rescaldo dos Santos Populares poderão ser, desta vez, responsabilizados pela abstenção. É certo que em qualquer eleição números animadores desmotivam o voto de potenciais votantes vitoriosos e motivam o votos dos potenciais derrotados. A abstenção não é por isso aleatória e poderá ser, como o foi certamente em 1998, determinante para o resultado.
Mas a abstenção no actual referendo não é apenas um produto dos números das sondagens, esta é também o resultado de uma campanha demagógica, moral, ética e sobretudo redutora que muitos insistem em fazer. Há quem fale em dualidade, há quem ponha o "sim" e o "não" em dois pratos de uma balança: de um lado a escolha do direito à escolha e do outro a escolha do direito à vida. Confrontar os cidadãos com esta dicotomia serve apenas para engrossar a abstenção e restringir o referendo a um acto de escolha entre votantes para os quais não existe qualquer dilema.
É certo que neste referendo existem dois pratos numa balança, mas o problema é que não existe uma só balança. Para a grande maioria de nós a interrupção voluntária da gravidez é um dilema ético e moral que perdurará no tempo independentemente do resultado de qualquer referendo. Para muitos, o referendo de dia 11 pretende somente dar resposta a um dilema legal e a uma questão de saúde pública e não a um dilema moral e ético. Um voto "sim" pode somente querer dar resposta ao problema concreto que é o aborto clandestino e às suas graves consequências: o julgamento de mulheres pela interrupção voluntária da gravidez e a penalização das mulheres pela sua condição social e económica. Assim como votar "sim" não implica necessariamente que se seja contra a vida, um voto "não" não significa necessariamente que se seja pela vida. Por exemplo, é legítimo somente discordar da per- gunta.
Esteja de que lado da balança estiver, não importa em que balança estiver, o voto é necessário.
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