sexta-feira, janeiro 26, 2007

A despenalização consensual

A despenalização consensual


Ana Sá Lopes
ana.s.lopes@dn..pt



O bispo de Viseu admitiu esta semana que era capaz de votar "sim", caso a pergunta estivesse formulada de outra maneira. Marcelo Rebelo de Sousa defende a despenalização das mulheres (mas não o "sim" no referendo, onde vê "liberalização", etc. e tal). Uma quantidade de notáveis - embora adeptos do voto "não" - vêm a terreiro manifestar-se contra as sanções que a lei prevê para as mulheres que abortam.

O "não" - ou parte substancial dele - apresenta-se nesta campanha a favor da despenalização. Esta semana, numa sessão pública, Maria do Rosário Carneiro afirmou mesmo: "Aqui somos todos contra a despenalização."

Estranho, todos contra a despenalização? Só parcialmente. Como José Miguel Júdice explica melhor que ninguém para justificar a sua opção pelo "sim", a sociedade já despenalizou o aborto e não aceita a condenação de quem comete o crime.

Estando o crime já despenalizado tacitamente, será uma incongruência a sua manutenção na lei - a maioria das pessoas não quer ver as mulheres que abortam tratadas como criminosas. Este argumento - caro aos defensores do "sim" - passou a ser também partilhado pelo "não", que deixou de considerar que uma mulher que pratica um aborto (ou "mata um bebé", segundo um certo argumentário do "não") seja uma criminosa. Ou seja, boa parte daqueles que condenam moral e eticamente o aborto deixaram de o condenar do ponto de vista penal.

Não é fácil sustentar, juridicamente, que "matar um bebé" é um crime, mas a criminosa não deve ser punida. Estamos, evidentemente, perante um absurdo jurídico - o crime sem criminoso. Antes pelo contrário, vários discursos de elementos do "não" e da Igreja Católica associam-se aos movimentos do "sim" na caracterização da mulher que aborta como uma vítima. É uma confusão penal. Não há criminosas, como é possível identificar o crime?

Se já não é a penalização de um crime o que divide os defensores do "sim" e do "não", o que divide? A condenação moral do aborto. Mas não é a condenação moral do aborto (partilhada por muitos defensores do "sim") que vai estar em causa. É, efectivamente, a despenalização. E para a pena sair da lei só há uma hipótese: votar "sim". Mesmo contra as nossas convicções morais e religiosas.

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