quarta-feira, janeiro 24, 2007

Debate pouco sereno potencia abstenção

Debate pouco sereno potencia abstenção

Alexandra Marques



Seis investigadores em Sociologia ou Ciência Política consideram que a pré-campanha não tem sido serena nem esclarecedora - como pediu o anterior presidente da República, Jorge Sampaio, e o actual, Cavaco Silva. Nesta fase, verifica-se a radicalização dos argumentos, o que segundo estes especialistas, pode fomentar o desinteresse e o abstencionismo.

Para António Costa Pinto, "como este tipo de referendo remete para valores religiosos, os sectores mais integristas tendem a radicalizar um pouco o discurso". "O "Sim" está mais preocupado em apelar à participação, por causa do resultado do último referendo, e coloca a tónica na não criminalização. Secundariza os direitos das mulheres - ao contrário do que sucedeu noutros países - e não radicaliza os valores anti-vida", diz este historiador.

Já Viriato Soromenho Marques realça que "há uma gestão mais cuidada dos discursos, mas mesmo assim "têm ocorrido algumas metáforas infelizes que não ajudam e não esclarecem". "Um debate agressivo e ruidoso pode levar à desistência dos que não se sentem muito motivados para ir votar", advoga. Porque se trata de uma reflexão "que se faz na consciência de cada um".

"Criou-se uma confusão enorme entre a moral e o Direito" com "a interferência da religião na política", diz João Adelino Maltez, para quem "o estado de anomia" reflecte que os cidadãos não se sentem representados pelas leis e perdem as suas solidariedades.

Para Jaime Nogueira Pinto, o equilíbrio nas sondagens causa um "natural aumento da tensão e da tentação de reagir com mais crispação" e propicia "o abstencionismo de quem não está convencido das verdades absolutas de cada um dos lados".

Já João Cardoso Rosas diz que nesta fase "afastamo-nos dos argumentos racionais e é o vale-tudo. Cada lado caricatura o outro, numa diabolização em que uns são acusados de defender a pena de morte e outros de fundamentalistas". Enquanto Rui Ramos admite que há grupos que se degladiam, mas tal não corresponde a uma crispação social como nos EUA "É uma bolha político-partidária e não uma questão capaz de incendiar o país".

3 comentários:

Anónimo disse...

Porque será que inúmeros partidários do SIM tentam colar os partidários do NÃO à influência da religião? Porque assim, julgam eles, terão mais argumentos para os rebater.
Ora a questão fundamental neste referendo è a despenalização, e, para se decidir sobre se se deve despenalizar ou não um determinado acto praticado por uma pessoa, é essencial avaliar qual o prejuízo, e com que gravidade, esse acto provoca.
Se um Feto é um ser humano, como tal detentor do 1º direito de todos, ou seja, direito à vida, então é fácil perceber o prejuízo que o aborto causa numa vítima inocente. Simplesmente a morte.
Para tão grave prejuízo devemos considerar uma pena zero?
Ou não deverão ser os Tribunais (as sociedades modernas tem Tribunais, lembram-se?) a decidir da pena considerando eventuais atenuantes, como aliás, acontece com outra qualquer situação onde resulte uma morte.?
Agora expliquem-me p.f. onde raio está a religião no meio disto tudo.

Daniel

Anónimo disse...

É muito triste que, em pleno século XXI, ainda há quem pensa que uma mulher deva ser presa por Aborto, como forma de castigo!!!!

Uma coisa é ser a favor da Vida e dos direitos, outra completamente diferente, são falsos moralismos, de quem está completamente afastado da realidade!!!!!

Anónimo disse...

Pacheco Pereira disse no Público:

«Havendo referendo, ou seja, uma escolha com significado político, é natural que haja debate público, que haja um contraditório a favor do convencimento das decisões e do voto. No entanto, nunca como agora eu desejaria que este referendo fosse silencioso, que este debate fosse quase inaudível, que ele pudesse ser feito quase por telepatia, por gestos subtis, sem voz, nem escrita, nem imagem. Tomem isto como uma metáfora, ou seja, não à letra, mas serve para dizer outra coisa que me parece mais importante.
Esta absurda cacofonia em que partidários do "sim" e do "não" esgrimem argumentos, opiniões, acusações, cada vez num tom mais alto, mais agressivo, mais descuidado, mais displicente, mais para se ouvirem do que para serem ouvidos, parte do princípio de que o essencial neste referendo é convencer.
Duvido que alguém se convença nesta matéria, a não ser por rejeição - votava duma maneira mas ficou tão indignado(a) com uma frase ou uma atitude que passou a votar doutra. Talvez todos estes excessos possam servir marginalmente para mobilizar para o voto, embora duvide muito da sua eficácia, penso até que favorece mais a abstenção do que a mobilização. Posso estar enganado, são só impressões, não servem para nada.
Fique já bem claro que eu gosto do som e da fúria da política. Não tenho nenhuma das manias elegantes e preciosas de quem pensa que a política é só cumprimentos amáveis e frases subtis. Não sou dessa escola, nem me apanham na defesa de salamaleques de salão ou na condenação de compromissos e dedicações de quem está activamente nesta campanha.
(…)
O que me desagrada nesta campanha - feita mais para os homens do que para as mulheres - é que ela passa ao lado, mais do que isso, desrespeita, ignora, menospreza, o carácter essencialmente existencial, vivido, do problema do aborto. É por isso que o aborto é mais uma questão das mulheres, como é a maternidade, e não é totalmente extensível e compreensível aos homens. Este é um dos casos que esquecemos muitas vezes, quando achamos que a igualdade é algo de adquirido sob todos os aspectos, e que tem a ver apenas com a sociedade, a economia, a cultura e o direito.
Não, pelo contrário, há desigualdades, "diferenças" no dizer politicamente correcto, estruturais entre os seres humanos, uma das mais fundamentais é a que a maternidade introduz entre homens e mulheres. E para as mulheres, que, quase todas, ou abortaram ou pensaram alguma vez em abortar, ou usam métodos conceptivos que à luz estrita do fundamentalismo são abortivos, o aborto de que estamos a falar neste referendo não e uma questão de opinião, argumento, razão, política, dogmática, mesmo fé e religião. Também é, mas não só. É uma questão de si mesmas consigo mesmas, íntima, própria, muitas vezes dolorosa e nalguns casos dramática. Não é matéria sobre que falem, se gabem, argumentem ou esgrimam como glória ou mesmo como testemunho.
Não é delas que vem esta estridência, nem é por elas que vêm os absurdos do telemóvel, do pinto, do ovo, do Saddam Hussein, do coraçãozinho. É mais provável que sintam tudo isso mais como insultos do que como argumentos que lhes suscitem a atenção. No seu silêncio votarão ou abster-se-ão, mas é por elas, por si, pelo seu corpo, pelos seus filhos, pelo seu destino, pela sua vergonha, pela sua dor, pela sua miséria, pelas suas dificuldades económicas, pela sua vida, pelos seus erros, pelas suas virtudes.
É verdade que, como em todas coisas, há irresponsabilidades, há mulheres irresponsáveis nos abortos que fazem, como nos filhos que fazem, mas duvido muito que sejam a regra. A regra é que aborto é sofrimento, físico e psicológico, e é sobre esse sofrimento que vamos votar. Eu vou votar sim, mas admito que, exactamente com a mesma consciência do mesmo problema, haverá quem vote não.
Mas os moderados, estranha palavra rara no meio desta estridência, não podem deixar de recusar este folclore que infelizmente nalguns casos torna príncipes da Igreja igualzinhos ao Bloco de Esquerda e vice-versa. Se percebêssemos esse silencio interior da maternidade, mesmo quando dilacerada pelo aborto, seríamos menos arrogantes, menos estridentes, menos obscenos nas campanhas.»

Não podia concordar mais...