Jorge Sampaio não esteve ontem no encontro dos Eurodeputados pelo Sim, que se realizou num hotel de Lisboa, mas mandou uma mensagem, lida pelo actor de teatro e televisão Paulo Matos, que soou bem forte: "No próximo referendo, o que está em causa é um problema de política criminal do Estado democrático." Para o ex- -presidente da República, "trata--se, em primeira linha, de um problema de Código Penal, um problema de previsão e definição de crimes e penas". Sampaio lembrou que o País está "isolado na Europa" nesta matéria e que a actual lei dá do Estado português "a ideia de um Estado retrógrado, injusto, cruel e desumano".
Liberto das suas funções presidenciais há um ano, Sampaio disse que "não cabe ao Estado democrático aderir, professar ou defender, a propósito, uma singular ou particular moral filosófica ou religiosa". Segundo o ex-PR, na consulta de 11 de Fevereiro a única questão a decidir "é saber se, sim ou não, uma mulher que interrompa voluntariamente a gravidez nas primeiras dez semanas em estabelecimento autorizado deve ou não ser penalmente perseguida, julgada, condenada e eventualmente enviada para a prisão".
Um problema legal que também levaria José Miguel Júdice, ex-bastonário da Ordem dos Advogados, a sustentar que "um dos grandes problemas da sociedade portuguesa é que as leis não são cumpridas".
Uma conferência que juntou eurodeputados, deputados e militantes do PS, PSD, PCP e Bloco de Esquerda, para além de alguns parlamentares europeus. Foram lidas mensagens do Parlamento dinamarquês, da Associação das Mulheres Sociais-Democratas da Alemanha e dos Verdes no Parlamento Europeu. A mensagem mais forte, passada por Miguel Portas, foi a de que neste momento na União Europeia só Portugal, Malta, Irlanda e Polónia é que penalizam as mulheres que fazem abortos. Sérgio Sousa Pinto, eurodeputado do PS e um dos grandes impulsionadores do "sim" no referendo de 1998, chamou-lhe uma lei com "uma pena infamante do tipo medieval" - o que também diria Elisa Ferreira: "Não quero ver as mulheres sujeitas a este vexame, isso é medieval." O antigo líder da JS garantiu que o que está em causa "não é um problema de consciência, é pura e simplesmente um problema de atraso cultural". Sousa Pinto disse que no dia 11 a consulta vai definir "qual é o nosso lugar, o nosso objectivo do ponto de vista civilizacional". Sobre aqueles que dizem que a alteração proposta pelo PS é liberalizar e não despenalizar, o eurodeputado do PS garantiu: "O aborto está liberalizado há muito de forma selvagem na clandestinidade."
Assunção Esteves, eurodeputada do PSD, garantiu ao DN que o que está em causa "é a alteração da lei penal para que aquilo que é considerado um ilícito deixe de o ser". A ex-dirigente do PSD considerou que "estamos perante uma lei que perdeu a autoridade e que nós aplaudimos quando os juízes não a aplicam".
Miguel Portas cravou uma lança nas trincheiras opostas, ao afirmar que há um "não ortodoxo", que "diz barbaridades como a de que o aborto é pecado mortal", e um "não heterodoxo", "ainda pior que o outro e que é uma espécie de quadratura do círculo". Já Edite Estrela tentou desmistificar a ideia de poder haver um aumento de abortos ou um decréscimo da natalidade se a nova lei for aprovada. "Será ao contrário", disse.
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