Muitas pessoas têm dúvidas sobre como votar no Referendo. É por isso que escrevo para os Leitores do Correio da Manhã, com todo o gosto.
Já sabe que Voto Sim. Voto Sim porque todas as pessoas de bem ficam incomodadas pelos julgamentos das mulheres que abortaram. E porque acho que não podemos condenar essas mulheres a uma pena de prisão: desde o último referendo, 17 mulheres foram condenadas por aborto e muitas mais foram julgadas. Tenho vergonha por estes julgamentos.
Artigo publicado no jornal "Correio de Manhã", no Sábado 27 de Janeiro de 2007.
Todos conhecemos alguém que tenha passado por este drama do aborto clandestino. E todos sabemos que quem tem dinheiro vai a Espanha, mas a vida é muito difícil para quem não tem dinheiro. Voto Sim para acabar com a discriminação das mulheres pobres.
Ouvi muitos argumentos contra esta opinião. Ouvi há poucos dias o Bispo da Guarda dizer que um aborto é um assassinato, que em Portugal é punível com pelo menos oito anos de prisão. Outro padre, em Castelo de Vide, ameaçou quem votar ‘sim' de excomunhão. Mas esta não é uma questão religiosa: não estamos a votar se os católicos são católicos. Estamos a votar uma Lei para todos.
Sei que a Igreja considera que o divórcio é um pecado, mas não é por isso que a lei condena os divorciados à prisão. Uma lei justa protege todos, os que são religiosos e os que não são, porque todos ficam iguais em direitos e deveres. Precisamos de uma lei justa.
Por isso, a Lei tem de responder a esta pergunta de todas as pessoas com dúvidas: a mulher deve ou não ser punida se abortar?
Li com atenção o artigo do Dr. Marques Mendes, que vai votar ‘não'. Sei que o movem convicções profundas e respeito-as. O Dr. Marques Mendes acha que as mulheres não devem ser presas, apesar de comparar o aborto ao tráfico de droga e à corrupção - e nenhum de nós aceita que o corrupto ou o narcotraficante não seja preso. Esta comparação das mulheres com os narcotraficantes é uma grave injustiça. Por que é que, então, queremos que a mulher não seja presa? Por bom senso e porque é uma questão totalmente diferente.
Aplaudo mesmo a mudança de posição do Dr. Marques Mendes sobre uma questão essencial. Ele aceita agora que a mulher que foi violada possa fazer um aborto. É certo que o PSD votou contra este princípio. Na altura defendia que uma mulher violada devia ser obrigada a ter essa gravidez até ao fim. Mudou de posição e ainda bem. Na política devemos saber reconhecer quando se resolve uma divergência.
Mas a Lei actual reconhece ainda outras excepções: por exemplo, quando o feto tem malformações genéticas, a mulher pode abortar. Como se compreende, nesse caso trata-se de uma gravidez gerada pela vontade e que não foi forçada, mas a mulher soube depois do risco terrível e pode abortar para evitar um sofrimento atroz. A Lei aceita o aborto neste caso em que a gravidez deixou de ser desejada. Hoje quase toda a gente aprova esta lei.
Mas quando a gravidez nunca foi desejada desde o início e foi interrompida, a Lei impõe que a mulher seja presa por três anos. É sobre esta regra e só sobre ela que vamos votar no dia 11.
Eu Voto Sim porque acho que a mulher não pode ser obrigada a ter uma gravidez que não desejou. Acho que isso é desumano. A gravidez deve ser desejada e isso só a mulher e o casal o pode saber - nenhum de nós é juiz da vida dos outros.
Pergunto às Leitoras do Correio da Manhã se acham que deve ser o tribunal a decidir quando é que elas, as suas filhas e todas as mulheres devem ter filhos ou se a decisão deve ser delas e da sua família.
Sei que muitas Leitoras consideram que o aborto é um pecado e um erro. Respeito essa opinião e respeito as pessoas que são coerentes com a sua opinião. Mas não estamos a votar sobre a opinião de cada um sobre si, estamos a votar sobre o que a Lei deve fazer a todas. Estamos a votar sobre se queremos que as mulheres que abortam sejam julgadas. Esse voto vai decidir muito sobre a vida de muitas mulheres. Faço por isso um apelo aos Leitores do Correio da Manhã: decida com todo o seu bom senso.
Francisco Louçã
4 comentários:
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Eu também sou do SIM...
mas com uma condição que não sei se a lei vai contemplar.
Alguém me pode esclarecer?... alguém sabe se a lei vai ter efeitos retroactivos?... há alguns que estão tão interessados em abortar que eu achava que se a lei tivesse efeitos retroactivos eles podiam escolher para si aquilo que os pais por causa da lei ser tão má não fizeram para eles... acho que todos nós do SIM deveríamos ter esse direito... querer que a lei tivesse efeitos retroactivos para nos podermos abortar a nós próprios e assim não ter que aguentar estes miseráveis do não que Não nos querem dar esse direito...
Aborto SIM... e com retroacção... digam lá os do SIM que Não!
Miguel
magisteradest@gmail.com
caro Francisco louça...
"Entre 1997 e 2005, foram constituídas arguidas 37 mulheres, tendo havido condenação para 17. No entanto, não é possível distinguir quantas dessas mulheres eram grávidas que deram o seu consentimento ao aborto e quantas foram implicadas por participarem na sua prática (médicas, enfermeiras, parteiras). Também não é possível saber quantos casos são relativos à prática de aborto até às dez semanas e após as dez semanas" (palavras vindas do minstero da justiça)
A menos que entretanto, desde a data desta noticia ate entao, tenham sido julgadas uns largos milhares d "exmaes" que tenham abortado ate as 10 semanas, qual o fundamento de bater tanto na tecla das mulheres que sao julgadas em tribunal, "sujeitas a pena ate 3 anos?" sera por falta de argumentos? uma coisa é certa, nao vejo nenhum cartaz desmentindo o direito à vida, sendo este um direito, por um lado, anterior ao estado, e por outro, consagrado em qualquer texto, convenção, e ate mesmo tabuas onde tantas versoes de direitos fundamentais dos cidadãos defendem a dignidade do Homem!
vale a pena pensar nisto...
Pedro de Carvalho
Caro Sr. Francisco Louçã
Apesar de não o referir, penso que será de consenso generalizado que o aborto é algo brutal, não só para o feto que perde a sua vida, como para a grávida que corre sérios riscos de complicações pós-aborto (físicas e psicológicas), mesmo quando este é feito por pessoal especializado e com todas as condições.
Também será de consenso generalizado que o aborto é um flagelo que importa sanar.
Posto isto, penso que concordará que o aborto, sendo um mal, deverá ser combatido e, como qualquer mal, combate-se tentado eliminar as suas causas.
A meu ver, essas causas combater-se-iam, por exemplo, com reforço do investimento no planeamento familiar, com a implementação de uma educação sexual responsável, com a criação/reforço de estruturas de apoio a grávidas em dificuldades, com apoios à natalidade.
Afirmará então que é utópico pensar que com estas medidas se irradicarão as situações que levam ao aborto. Certamente que sim. Mas também é utópico pensar que se irradicará a criminalidade, a toxicodependencia, a corrupção e não é por isso que cessa o seu combate.
A lei que está em discussão e que passará caso vença o "sim" no referendo de dia 11, prevê não só a despenalização das grávidas que abortaram, como também de todos os que estiveram envolvidos e lucraram ilicitamente. Para além de despenalizar, a referida lei liberaliza totalmente o aborto, promovendo-o, uma vez que o torna num acto perfeitamente lícito e praticável no SNS, com provável financiamento do Estado.
Assim, considero que esta lei não resolve o problema do aborto (talvez até o agrave), uma vez não combate minimamente as suas causas, e constituí uma forma dissimulada do Estado se demitir da sua obrigação de eliminar as causas que originam este flagelo.
Muito estranho que as forças ditas de esquerda, em particular o seu partido, não exijam ao governo o combate às verdadeiras causas do aborto e se contentem com uma lei que abrirá o mercado às clinicas privadas que vêem no aborto uma lucrativa oportunidade de negócio, tanto mais que o SNS não terá capacidade de resposta para realizar abortos até às 10 semanas.
Cumprimentos
Oscar
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