quinta-feira, dezembro 14, 2006

As perguntas perdidas do Não

A 11 de Fevereiro decidiremos se as mulheres que abortam devem continuar a ser perseguidas e julgadas. No referendo não estão em causa interpretações sobre a natureza ou o início da vida: quem recusa o aborto também deve votar Sim - as mulheres que tiveram que abortar merecem respeito, devem ter hospitais e não tribunais. Mas esta não é a única pergunta perdida dos defensores da actual lei do aborto.

A VITÓRIA DO SIM É A LIBERALIZAÇÃO DO ABORTO? Como bem sabem os neoliberais defensores do Não, liberalização é ausência de regras. Pelo contrário, a lei de despenalização estabelecerá regras precisas: a interrupção da gravidez pode ocorrer em estabelecimento de saúde autorizado até às 10 semanas.

PORQUÊ DEZ SEMANAS? A despenalização do aborto nas primeiras dez semanas de gravidez, em condições de saúde acessíveis, reduz o estigma e implica celeridade. O recurso ao aborto depois desse prazo tende a diminuir radicalmente. Os defensores do Não perguntam: «e depois das 10 semanas?». A resposta é: com o aborto clandestino, não há prazos. A actual lei favorece o aborto tardio, que põe em perigo a vida da mulher. Os defensores do Não são indiferentes ao momento da interrupção da gravidez, apenas se empenham na perseguição e no julgamento das mulheres. O Bloco defendeu que o prazo deveria ter sido de 12 semanas, mas não foi esse o entendimento da maioria do parlamento.

O RECURSO AO ABORTO VAI AUMENTAR? Nunca foi por ser ilegal que o aborto deixou de ser praticado. Ao dizer que a despenalização aumenta o recurso ao aborto, os defensores do Não brincam com números. Não há estatísticas fiáveis sobre a realidade actual porque o aborto é ...clandestino. Quando vão para o hospital com complicações, as mulheres raramente as atribuem ao aborto clandestino. Com a despenalização, o fenómeno passará a ser estudado e conhecido com rigor. O número de abortos diminuirá porque aumenta a informação das pessoas e a sua protecção.
NÃO SE PODE DESPENALIZAR SEM GASTAR DINHEIRO NA IVG EM HOSPITAIS PÚBLICOS? É no Serviço Nacional de Saúde que todas as mulheres que decidirem abortar, sobretudo as mais desfavorecidas, podem ter o atendimento adequado. O que evita a gravidez indesejada é informação, planeamento familiar, acesso à contracepção. Essas também são responsabilidades do Sistema Nacional de Saúde. Do ponto de vista económico, a realização da IVG no âmbito do SNS é uma garantia, evitando as complicações que já hoje criam maiores encargos para este sistema. Se fosse feita no sistema privado, as mulheres mais pobres seriam discriminadas.

NÃO SE PODE MANTER A LEI ACTUAL E ACABAR COM OS JULGAMENTOS? Esta é a proposta de quem quer esconder a humilhação dos julgamentos para continuar a humilhar com a ilegalidade. Além de manter os actuais perigos do aborto clandestino, a suspensão dos julgamentos não acabaria com a perseguição das mulheres, que continuariam a ser investigadas pela polícia e cuja vida continuaria exposta em processos judiciais.

Até 11 de Fevereiro, os defensores do Não tentarão encher o debate de perguntas. Mas são perguntas perdidas. Nas caixas de correio, haverá fotografias ameaçadoras e manipuladas. Mas o país já percebeu que, no boletim de voto, só sobrará uma questão: chegou a hora de acabar com a perseguição e o julgamento de mulheres por aborto? Portugal vai acertar o relógio com o seu tempo. E dizer Sim de vez.

Jorge Costa

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